Relato breve (?) de uma jornada intensa
Vamos Ali (VA), 26 de Outubro de 2013
Rota do(s) Contrabando(istas) de Vilar de Perdizes (8 – 10 km)
Este projecto começou a germinar no último Congresso de Medicinas Populares, primeiro fim-de-semana de Setembro.
Entretanto, há já vários anos, nas minhas presenças nos congressos, via este local com enormes potencialidades para uma jornada profícua deste grupo maravilhoso.
Numa incursão rápida ao Secretariado do congresso para recolher mais material e informação, a dona Mimi recomendou-me o marido, o nosso guia, Sr Domingos Barros. Logo que lhe expus o meu/nosso projecto anuiu com entusiasmo, mandou-me informação para o meu mail e entregou três folhas com um vasto repertório de locais a visitar.
Elaborado um pré-projecto com duas etapas (percurso cultural na aldeia e Rota do Contrabando com um momento de convívio intermédio), o Sr Domingos não só concordou como cativou o Padre Fontes que se prontificou a acompanhar-nos.
Chegámos ao dia 26. Cerca de 30 inscrições. Uns iam ter a Vilar de Perdizes, a maioria ao Montalegrense 2.
Organizada a caravana automóvel, o reagrupamento intermédio foi em Montalegre, na rotunda da “Chega de Bois”.
Às 10 horas em ponto, como estava previsto, entrávamos em Vilar de Perdizes. O Sr Domingos e a esposa a receber-nos. O Padre Fontes? “Teve um funeral, mas às 10 e 30 vai ter connosco”.
Primeiro ponto: Capela da Senhora das Neves. Estava o nosso guia local a contar como descobriram aquelas maravilhosas pinturas e já o Padre Fontes irrompia capela dentro para uma interpretação daquele achado. Eram pinturas do 3º quartel do século XVI, escondidas durante séculos atrás de um retábulo.
O Paço (Solar do Morgado) cativou a nossa atenção pela sua arquitectura e monumentalidade. O nosso ilustre anfitrião focou a sua atenção na capela, botica (farmácia) e hospital/hospício/pousada para os peregrinos de Santiago. É monumento de interesse público juntamente com as pinturas da Capela de Nossa Senhora das Neves desde 2011. Vendo muita gente com a cara colada ao chão apercebi-me que estavam fotografando quita-merendas, planta de bolbo sólido, da família das liliáceas, agora no seu azul esplendoroso.
A paragem seguinte foi no forno do povo e nova palestra sábia do Padre Fontes sobre o funcionamento e importância desta estrutura colectiva.
Aviso do Sr Domingos: “Temos de refrear o entusiasmo do Padre Fontes, senão o programa vai atrasar muito”. O guia convenceu o clérigo a realizar o restante circuito cultural da aldeia no fim da Rota e de acordo com a disponibilidade de tempo.
Entretanto, as mochilas com as iguarias para o picnic tinham sido colocadas no carro do Sr Domingos. A esposa foi a sacrificada para levar tudo para o recinto de Santa Marinha, onde ia decorrer o convívio.
Pelo caminho (Rota) fomos sendo brindados com a descoberta, recolha e explicação de vários tipos de cogumelos, uns comestíveis outros não.
Encontro interessante foi aquele que se deu com uma carroça, com dois aldeões, puxada por um burro; tinham vindo apanhar castanhas, mas poucas tinham caído. Muitas fotos a registar o encontro com cenas e seres em vias de extinção. Muitas castanhas foram sendo apanhadas em incursões furtivas aos terrenos adjacentes. Segundo o Padre Fontes a “castanha tem uma manha: vai com quem a apanha”.
A primeira concentração deu-se junto ao Penedo do Caparinho com gravuras pré-históricas (tipo as de Foz Côa) de um casal de braços abertos, despidos, com 2 setas aos pés, símbolo de paz e fecundidade. Um pouco mais abaixo um lagar medieval escavado na rocha, mereceu mais uma paragem para ouvir o Padre Fontes.
Chegámos ao rio Assureira que seve de linha de fronteira na zona das “Olas”. Estas são enormes cavidades cavadas por séculos de erosão e que terão servido como esconderijo de contrabandistas em momentos mais aflitivos.
Uma ponte de madeira com estrutura de ferro liga o trilho galego ao português. Certamente que no tempo do contrabando a ponte era muito mais artesanal e insegura. Os contrabandistas tanto passavam aqui como noutros pontos. Quando os guardas saíam todos sabiam e ficavam alerta. Na luta entre a lei e a vida, esta levava quase sempre a melhor porque a fome não tem lei.
O local do convívio, recinto de Santa Marinha, ficava poucas centenas de metros acima. É um enorme terreiro com mesas, construções, quartos de banho. Tudo nos foi gentilmente facultado. Aliás, quando lá chegámos, já o lume crepitava e as castanhas, em caçarolas suspensas, exalavam um odor muito agradável sob a batuta de dona Mimi.
Obrigado aos meus comparsas pela paciência com que me ouviram apresentar o Vamos Ali e os nossos anfitriões. Por pressão de alguém, esse texto segue em “caixa” à parte.
O convívio foi muito animado, as iguarias muito boas, variadas e abundantes. O trabalho foi (quase) repartido. Houve até o coro do “Parabéns a você” ao Açores; atrasados, mas bem regados por um champanhe bruto caseiro a nada dever aos inventores de tal bebida, os franceses. Bem comidos e bebidos, ainda houve paciência para a foto de família. A culpa foi nossa que pressionámos demasiado o Castor e depois pagámo-las: um quarto de hora à espera que regulasse a máquina, sem o conseguir…. Ainda bem que havia outras…
No caminho, rumo à aldeia, encontrámos vetustos castanheiros prenhes de verdes ouriços e macieiras vergadas ao peso da fruta. Alguns aceitaram a oferta generosa de um casal que enchia cestos da fruta que perdeu Adão e Eva (por culpa desta, já se sabe!).
Depois de observada uma fonte de mergulho (há várias na aldeia), fomos brindados com uma visita a uma casa restaurada com muito bom gosto e requinte que vai servir para turismo de habitação, propriedade do nosso guia, Sr Domingos Barros: a Casa da Laborada, penso eu.
Rumo à parte alta da aldeia, entrámos na igreja paroquial e ouvimos a lenda da sua fundação. Teria sido fundada por um dos sete filhos padres (gémeos) de Maria Mantela, no século XII/XIII. Reza a lenda que esta senhora teria tratado mal uma pedinte com dois gémeos porque, segundo a crença da época, uma mulher fiel só poderia ter um único filho; num parto triplo teria dormido com três homens… Grávida, teve sete filhos de um parto. Receosa de ser despeitada pelo marido mandou uma criada lançar no Tâmega 6 deles. Interceptada pelo marido (Fernão Gralho), este distribuiu-os por várias amas e proibiu a criada de dizer à patroa. Cerca de 10 anos depois, numa saída da mulher, juntou todos os filhos com roupas iguais e pediu à esposa para identificar o filho. Percebendo a lição, lançou-se chorosa aos braços do marido que a perdoou. Todos deram padres e cada um fundou uma igreja. Uma delas é a de Vilar de Perdizes. Foi sepultada em Chaves. Na lápide mandou escrever: Aqui jaz Maria Mantela com seus filhos à roda dela”.
Numa das paredes do templo, ao lado do coro, foi-nos mostrada uma pedra esculpida com uma divindade celta, o deus Sucellus despido com um grande pénis e um martelo na mão, certamente ligado aos ritos de fecundidade.
Compradas as castanhas (1,5 E/Kg!), fomos recebidos na casa (restaurada a preceito) do Padre Fontes. Foram momentos de descontracção, convívio e cultura! Um espólio riquíssimo e muito variado que nos deliciou.
Porque o convívio nos fez esquecer o tempo, partimos algo atrasados para as nossas terras.
Foi uma jornada memorável com S. Pedro a dar uma ajuda.
O Sr Domingos desafiou-nos a voltar lá para podermos ver o muito que não vimos. Fica o convite.
Fizemos o baptismo de mais três “confrades”: uma amiga madeirense da Pé-ante-pé, antes Luísa, agora “Perdiz”; o Alves, “aquisição” do Rooibos, passa a ser “Vilar” e a Laurinda baptizada de “Senhora das Neves". Penso que houve quem escapasse à praxe…
Foram cerca de 30 os participantes. Espero não me esquecer de ninguém: Pagali, Açores, Pé-ante-Pé, Vandoma, Rooibos, Messe, O Libelinha, Vento, Nuvem, Xertelo, Vilar, Moinho, Aroma, Perdiz, Castor, Avelã, Celta, Estorninho, Andorinha, Águia Real, Tita, Rosa, Rocas, Girafa, Invicta, Ivone, Biana, Senhora das Neves e Galga Montanhas.
Texto do GM
Foto do Vento